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VIDA ÉTICA, VIDA BOA

Apreciação da palestra de Renato Janine Ribeiro
Café Filosófico
O filósofo Renato Janine faz uma reflexão sobre a vida boa. Vida boa pode ter dois significados: vida feliz e vida eticamente e moralmente correta. É interessante que pode haver um conflito entre a vida feliz e a vida eticamente correta. O homem pode ter desejos que contrariam as regras éticas que a família, e a sociedade impõem, e deixando de realizar estes pode ser infeliz. E ainda o homem é capaz de ser feliz praticando os atos mais abomináveis possíveis. A vida ética pode comprometer a felicidade, assim como a vida boa pode comprometer a ética.
Com relação a esta problemática, Renato trabalha sobre os aspectos que a ética e a psicologia nos propõem. A ética apresenta normas para serem seguidas. Mas o que significa ter uma vida fora do cânone? É fácil pensar em ética como cumprimento mecânico de leis, ou seja, sempre perguntar o que é certo e o que é errado. Mas o que significa ética? Não é cumprir leis, pois isto é necessário, pois caso contrário tem punição, mas sim dar razão para agir bem. Ética é a pessoa acreditar que deve agir de determinada forma. O importante não é cumprir as leis, mas sim saber por que a pessoa agiu bem, pois as razões éticas vêm primeiro que os códigos moral e penal.
Ter uma vida eticamente boa depende das boas escolhas. Mas o que fazer quando os valores entram em conflito? Como fazer nossas opções neste contexto? Passamos por momentos de crises éticas e psicológicas. Temos dificuldades de saber quais são as condutas corretas. São dúvidas que fazem parte de nosso dia a dia. Estas duvidas também podem ter fatores psicológicos.
Ter uma vida boa do ponto de vista ético é equilibrar nossos valores que é uma atitude dolorosa, pois precisaremos abrir mão de algo que gastamos uma vida para construir e tomas decisões que são pesadas que podem causar angustias.
No aspecto psicológico, a vida boa consiste em reduzir o sofrimento. Não agregar a infelicidade do passado ao presente. Mas este é trabalho extremamente difícil, e não é uma receita para ter uma vida sem sofrimentos. Em fim ter uma vida boa significa saber lidar com a crise, a dor, o drama, o trauma. Os valores formais não podem ser maiores que os autênticos. Precisamos ter um contato com a verdade e não criarmos meios para esconder nossas limitações.
Contudo a vida boa é um tema que vem sendo discutido a cerca de 2500 anos. Para os gregos ética seria o equilíbrio, a virtude estava entre os extremos. Desde então surgiu o problema da vida baseada na razão e no prazer. Mas porque não conciliar estas coisas? Para isso é necessário um crescimento ético e psicológico. A ética consiste nas escolhas individuais que fazemos. Precisamos descobrir quais são os valores autênticos e buscar sempre a verdade. Verdade pode doer, pois nos faz deparar com nossa fragilidade. Mas, nisto consiste o sentido da vida.
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IDADE GREGA: O NASCIMENTO DA ÉTICA

1 – Platão: ética da transcendência

1.1  – Contexto geral da filosofia de Platão

Com Sócrates a filosofia alcançou um novo marco. Pela primeira vez o homem tornou-se o tema da reflexão filosófica. “Conhecer a si mesmo.” Sócrates insistiu na necessidade de restaurar a imagem do homem e recuperar seu valor e dignidade moral. Para isso o homem deve de voltar a sua interioridade.
A ética, portanto nasce com temas que nunca foram esgotados: o bem, a virtude, o valor da pessoa e da sociedade. A ética não nasceu de imaginação de um gênio, mas assim a partir da realidade sociopolítica e de fatos negativos que Sócrates viu e viveu. Um exemplo desta manifestação concreta é que o próprio Sócrates foi condenado à morte pelas suas ideias filosóficas. Sem dúvida foi um choque para Platão ver seu mestre condenado injustamente.
Assim Platão passa pelo caminho mais longo seguro que é conscientizar os cidadãos. Pode-se observar que a filosofia de Platão é um processo de educação para justiça e um estado bem ordenado.

1.2  – Os três fundadores

Sócrates traz a reflexão para o homem. Platão nunca desviou da raiz e da temática de Sócrates. Platão teve que inventar o mundo Superior “mundo suprassensível” para responder aos questionamentos que colocou. Aristóteles, porém, se baseou no mundo sublunar a partir das experiências que vivia.
1.3  – Educação e valores da cidadania
Em Atenas os profissionais da educação eram os sofistas, mestres da virtude, grandes adversários de Sócrates, Platão e Aristóteles. Enquanto Platão inicia sua vida preocupado com a verdade, os sofistas não preocupavam com a verdadeira resposta aos problemas.
Para Platão e Sócrates, a virtude não pode ser ensinada como a matemática, mas sim transmitida pelas pessoas de bem, que sabem o que é bom. Platão afirma que o primeiro princípio regulador dos comportamentos é a ideias do bem e da justiça.
A ciência dos valores é necessária para a educação moral do cidadão que deseja viver na justiça. Para saber o que é justo, deve-se começar pela sociedade, não pelo indivíduo. Pois justiça é cada um cumprir sua função na polis. A justiça no indivíduo é quando cada uma das partes da alma cumpres sua função.

2        – Os temas centrais da ética de Platão

Platão não tem um tratado sobre a ética, mas em toda sua obra tem um profundo sentido ético. Os três eixos da ética de Platão são: Justiça, Transcendência do bem, e fundamento da conduta humana.

2.1  – O bem

Os filósofos do círculo socrático discutiram os modos de vida adequados ao ser humano. Duas formas de viver eram mais debatidas: primeiro que o sentido da vida está na busca do prazer, e segundo que o sentido da vida está na sabedoria e na prática da virtude.
Platão defende a segunda linha de pensamento, porém não despreza o valor da busca do prazer, mas somente trata-se de regulá-los e subordiná-los a razão. Pois a vida edonística não satisfaz a melhor parte do ser humano.
Platão funda uma regra fixa para a conduta humana, que não esteja sujeita a variedade e opiniões humanas. Esta norma está na Teoria das ideias, especialmente ideia do bem, “sumo bem”. Assim a regra da felicidade é o bem transcendente que mede nosso agir moral imanente. “Sábio é aquele que pratica a virtude e cultiva a sabedoria.”

2.2  – A virtude é a prática da justiça

É pela prática da virtude, que o homem sábio se eleva do bem que pratica para o sumo bem transcendente. Virtude é uma atividade da alma, e consiste num hábito, um comportamento fixo da alma. A virtude nasce dos costumes que são regulados pelas leis. Virtude é harmonia.
Virtude da harmonia leva o nome de justiça. Justiça e ideia do bem formam a espinha dorsal da ética e do pensamento de Platão. A justiça rege, unifica hierarquiza a variedade dos constitutivos do homem. A justiça harmoniza a polis, a relação entre as classes sociais. A harmonia das pessoas e da polis é uma imitação da harmonia cósmica que também é instaurada pela lei universal e divina da justiça.
Portanto o sistema de Platão só tem uma virtude fundamental: a justiça que rege todas as outras, especialmente as virtudes cardeais da prudência, coragem e temperança.

3 – A política

3.1 – A origem natural da sociedade

Sócrates, Platão e Aristóteles defenderam a origem natural da sociedade. A sociedade nasce do homem, isto é, de sua condição natural. O homem para realizar sua natureza como animal pensante e animal político, um homem precisa dos outros, precisa da instituição política.
Para Platão é do trabalho e das diferentes funções que nascem as três classes sociais: trabalhadora “alma vegetativa”, guerreira “alma sensitiva”, e governante “alma intelectiva”.

3.2 – formas de governo

a)      Monarquia ou aristocracia – é o governo dos melhores, exercido por um homem ou por um grupo pequeno de sábios que governam conforme a prudência.
b)      Oligarquia – não visa o governo sábio, e sim o enriquecimento dos governantes, gerando assim a pobreza dos cidadãos.
c)      Democracia – instaura com a derrubada da oligarquia. A liberdade é garantida pelo regime pouco a pouco se torna anarquia, onde cada um faz o que quer. Os cargos públicos são entregues aos menos preparados.
d)     Tirania – tem origem na demagogia que, ludibriando a confiança popular chega ao poder e suprime toda liberdade. É o reino da injustiça e da desordem.

ARISTÓTELES: ÉTICA DA IMANÊNCIA

A ética e a política de Aristóteles formam o primeiro grande tratado sobre o comportamento das pessoas. A tarefa primordial da ética consiste em colocar certa harmonia e hierarquia. As ciências da ética e da política são mutáveis.
As obras de Aristóteles com relação à ética giram em quatro eixos, que são: a ética é natural, a ética é finalista, a ética é racional, e por fim a heteronomia da ética.

1 – contexto metafísico da ética

Em Aristóteles a ética faz parte do elenco das práticas que são mutáveis e inferiores às ciências teóricas. A ética encontra na política sua plena realização. A ética e a política encontram suas raízes na constituição ontológica do homem.
Os gregos sempre entenderam o ser humano como produto da physis. Para Aristóteles o homem surge da physis graças à atuação de princípios de causas; aqueles que são: matéria e forma, ato e potência, essência e existência, substancia e acidentes.
O homem é composto de matéria e forma. A matéria é o princípio negativo. A forma é o princípio positivo da ordem. A forma dá limites à matéria indefinida. O homem é composto pela mesma matéria dos animais, mas nele a matéria tem forma racional e no animal forma sensitiva.
Quanto à natureza, os pais são nossa causa eficiente. A natureza nos dá a causa final parcialmente. Ela deve ser conquistada ao longo da vida pelo exercício da liberdade. Ou seja, a causa final é no homem sua realização como ser ético que busca seu crescimento moral, intelectual, social e político.

2 – O bem do homem: a ética finalista

Em todas as ações o homem visa uma finalidade, alcançar o bem. Há uma hierarquia de bens e fins ordenados uns aos outros. É necessário o bem final, que sintetize todos, e que será o fim último: a felicidade. Em que consiste a felicidade? São muitas divergências. Alguns dizem que é no prazer, na riqueza, na honra. Para Aristóteles estes valores são meios para a felicidade, e não o fim.
Aristóteles diz que a felicidade está numa atividade da alma.  A realização final do homem para sua felicidade é a atividade racional. “Esta atividade é a melhor, já que não somente o intelecto é a nossa melhor parte, como também os objetos com os quais o intelecto relaciona são melhores.”

3 – A felicidade será exercício intelectual?

A felicidade consiste na contemplação das verdades metafísica e imutáveis? Quem pode ser feliz é só os filósofos? Para os teólogos, a felicidade que vem da contemplação das verdades supremas da filosofia é apenas um prenúncio da felicidade eterna prometida por Deus nos textos sagrados.
Contudo analisando a ética aristotélica, descobre-se que outras condições são necessárias para que o homem seja feliz. “Em muitas ações usamos amigos, riquezas e poder político como instrumentos e há certas coisas cuja falta empana a felicidade.”

4 – Condições da vida feliz

Podemos afirmar que a ética aristotélica propõe pelo menos seis condições para ser feliz: prática das virtudes, um círculo de amigos, boa saúde, suficiência de bens materiais, viver em uma sociedade justa e meditação filosófica.

5 – Homem virtuoso: ética racional

Virtude vem do grego, aretê, do latim, virtus, que quer dizer: energia, vigor, vitalidade, potencialidade. Para Aristóteles, virtudes são todas as energias e funções da alma que classifica nas três modalidades de vida: vegetativa, sensitiva e intelectiva. O homem virtuoso é aquele que consegue ordenar essas variedades de energia e funções.
Na vida instintiva temos desejo de apetite, fome, e sexo. Na vida sensitiva há os sentimentos de dor e prazer, e os cinco sentidos. Na vida intelectiva temos o intelecto, e o desejo superior que é à vontade. O intelecto é exclusivo do homem, princípio de sua especificação e identidade. O intelecto não domina o sensitivo e vegetativo, e sim o orienta. Não há um abismo entre as três vidas. Assim as virtudes éticas é a educação dos instintos.
As virtudes morais são referem ao instinto e a sensibilidade. Virtudes intelectuais são duas: sabedoria e prudência. O homem nasce ético em potencia, pelo autocontrole racional torna-se virtuoso.

6 – A teoria do meio termo: ética da decisão prudencial

A ética nunca é definida. Assim o caminho da ética prudencial para Aristóteles consiste no meio termo entre o excesso e a falta. O meio termo é proporcional a cada pessoa. É o equilíbrio da vida social e pessoal.
7 – Justiça: Virtude da cidadania

A virtude em Aristóteles concentra em três: Sabedoria, prudência, e justiça. Das três Aristóteles privilegia a justiça que é principio de ordem cósmica, social e individual. A justiça consiste em cumprir a lei da polis, relaciona os cidadãos entre si, garante a igualdade e liberdade aos cidadãos. “Justiça está na igualdade, porém nem para todos, mas para os iguais; e a desigualdade é justa, não, porém para todos, mas para os desiguais.”
A justiça legal é também chamada justiça geral. Ela comanda a constelação das virtudes morais. “a justiça encerra todas as virtudes.”

8 – Quem é cidadão?

Para Aristóteles a polis é uma grande comunidade que busca a mesma finalidade que o indivíduo: a felicidade. Esta comunidade é política. A comunidade serve para garantir ao cidadão uma boa existência.
Cidadão são aqueles que tomam parte da administração da justiça. Que participa das assembleias que formam as leis, que tomam parte da administração pública. Portanto não basta morar na polis para ser cidadão. As mulheres, trabalhadores e escravos não fazem parte da cidadania na visão aristotélica.

9 – Governo da Polis

A comunidade política é regida por uma constituição que define as leis do ordenamento da polis. O ponto central de uma constituição é a definição do poder soberano. Aristóteles privilegia três formas de poder: monárquico, aristocrático, e democrático. Estas três formas de governo corresponde a outras três viciadas: a tirania, a oligarquia e a democracia.
As três primeiras são boas, pois os governantes não pensam em seus próprios interesses, e sim o da comunidade. As três viciadas ao contrário os governantes visam o bem particular.
  

Fonte: PEGORARO, Olinto. Ética dos maiores mestres através da história. 3ª ed. Petrópolis. Vozes, 2008.